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Ser é político 

A intenção é anotar as minhas impressões a partir do texto, e não sobre o texto, de Alberto Cordero Martín, “ativista em primeira pessoa em saúde mental”, https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/psiquiatria-braco-armado-da-opressao-cotidiana/

O texto trata de psiquiatria e política. Houve muitas denúncias e propostas de tratamento na segunda metade do século XX. Como a saúde mental ainda é estigmatizada, a luta continua. 

Nos anos 1970, mesmo sob a ditadura no Brasil, no campo psi em resistência, a gente pensava ser e política, a crítica da antipsiquiatria contra os rótulos diagnósticos, o fim dos manicômios, com Basaglia, na Itália, e vários outros movimentos contracultura ao internamento, maus tratos e exclusão social.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos se inicia uma política pública ambulatorial, reduzindo os custos para uma população com alto nível de adoecimento mental, em especial advindo da guerra do Vietnã. Nasce a doença mental chamada de estresse pós-traumático.

Mesmo que resumidamente, acho que é possível perceber, que no Ocidente, de um lado lutava-se pela desconstrução da política de exclusão e de outro, houve um abafamento às possibilidades de rebeldia, uma verdadeira contenção das emoções, por meio de drogas. Se alguns grupos lutavam para ampliar a conscientização das próprias condições na busca de autonomia da pessoa, tomava corpo o projeto econômico de consumo de drogas para doenças mentais. Para isso se efetivar, a Associação de Psiquiatria Americana serviu como o meio para definir diagnósticos e prescrições dos produtos. Seria a lei do mercado! 

Aqui no país, o movimento da luta antimanicomial, em que participam trabalhadores de saúde, familiares e pessoas com problemas de saúde mental. A maior conquista foi a Lei 10216/2001, que possibilitou a implantação da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM)e a diminuição das internações. Este é um marco no SUS, com os serviços sem internação nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e internação em hospital geral, além do “Volta pra Casa” e programa para a geração de renda… |Mas a PNSM não foi totalmente implementada e a partir de 2015 foi atacada e descontinuada no governo que já se foi. Desde 2015, vem sendo destruída e, pior, terceirizada a grupos dogmáticos, fanáticos, que usam tratamentos similares aos impingidos no século XIX.

Aqui estamos, um ser político, com práticas institucionais ortopédicas, que atacam as propostas e práticas de transformação. A intenção deste pensamento autoritário se junta ao neoliberalismo para ampliar a exclusão de quem incomoda e de quem adoece emocionalmente. 

Na história, até os anos 1980/90, a psicopatologia construída pela psicanálise ainda era majoritária nos diagnósticos psi. Assim, era separado em neuroses e psicoses.

A força da Associação Americana de Psiquiatria e a indústria química de medicamentos elaboraram e realizaram o projeto de esquecimento da psicopatologia vigente e instauraram uma psicopatologia de manual, o DSM. É incrível, atualmente na 5ª revisão, o DSM 5 (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais) apresenta mais de 500 verbetes sobre transtornos mentais. Alcança o mundo todo na diagnose do comportamento, em serviços públicos e privados. Através da mídia, disseminou-se também um modo de pensar o sofrimento emocional como doença, os transtornos psiquiátricos. 

Está mais complicado, ainda, lutar contra o modelo instalado de diagnóstico de manual e prescrições de medicamentos psicotrópicos, que fazem girar bilhões na indústria química de medicamentos e no complexo médico industrial, ambos no topo da economia mundial.

Enfim, está complicado se desvencilhar deste poder. Este é, para mim, um exemplo de que ser é político, pois para eu ser (em busca de si mesmo, em busca do self), tenho de ter consciência da construção de subjetividades, instaurada pelo poder econômico mundial. Ainda, para finalizar, é preciso relembrar que o eu não é um aparelho intrapsíquico, o sujeito se constitui em um meio e em suas buscas de ser consciente de si e da sociedade, o que costumamos chamar de psicossocial. Um ser político.