Em linguagem comum, pode-se dizer que as ciências afirmaram por muito tempo, que o cérebro era dividido em caixinhas com funções e tarefas a realizar. A informação tornou-se a verdade para a maioria, por meio da educação escolar. O pensamento era de que se alguma engrenagem estragasse, seria o fim da função. Pois é, mas não somos máquinas e na medida em que se produziram aparelhos leitores do cérebro em atividade (estes, sim, máquinas), um vasto campo se abriu em neurociências. A partir do imageamento, desde os anos 1980, a verdade científica mudou em muitos aspectos. O mais surpreendente para mim é a neuroplasticidade.
O médico psiquiatra e psicanalista Norman Doidge, publicou dois livros ricos em detalhes de pesquisas realizadas por vários neurocientistas. Para nos situar, vai uma definição de plasticidade do cérebro:
a neuroplasticidade é a propriedade que permite ao cérebro modificar sua própria estrutura e seu funcionamento em resposta a atividades e experiências mentais.”
(Doidge, 2016)
É incrível como a maleabilidade é capaz de mudar as conexões para atender a uma parte avariada ou apaziguar ou até ressignificar algumas memórias. Não é um passe de mágica, é necessário esforço físico e mental, emocional e racional.
As mesmas leis da neuroplasticidade que nos permitem adquirir gostos problemáticos também nos permitem, em tratamento intensivo, adquirir preferências novas e mais saudáveis e, em alguns casos, até perder as antigas e problemáticas.
(Doidge, 2016)
A neuroplasticidade é resultado de um cérebro incrível, sistema este de um humano não menos interessante, capaz de promover “uma nova natureza tão biológica quanto a original”, mostra Doidge, a partir do relato de pesquisas científicas. Comenta abaixo.
Creio que a ideia de que o cérebro pode mudar sua própria estrutura e função por intermédio dos pensamentos e da atividade representa a mudança de nossa visão desse órgão desde que foram esboçados sua anatomia básica e o funcionamento de seu componente básico, o neurônio. Como todas as revoluções, esta terá efeitos profundos.
(Doidge, 2016)
De outro lado, o sistema majoritário quer nos convencer de que a única terapêutica possível é por meio da eliminação de sintomas ou até de partes do corpo. As drogas medicamentosas podem aplacar muitas das dores físicas e emocionais, mas por si só não promovem mudanças psicológicas, capazes de contribuir na capacidade neuronal de plasticidade.
A psicoterapia é um caminho comprovado para empreender mudanças – para além do laboratório, mas na vida de milhões de pessoas há mais de um século -, pois somente a pessoa consciente e com ferramentas de alteração de subjetividades, pode ajudar o cérebro em sua plasticidade. Saber disso não transforma a psicoterapia, mas ajuda a compreensão do sujeito da clínica de que somos seres menos rígidos e definitivos do que nos fizeram crer. Coloco a citação de um um texto do bloguinho, que “a rigidez emocional é mais ou menos o contrário de flexibilidade mental. O sujeito rígido vai limitando o trabalho do cérebro, pois não é preciso pensar, é só seguir no automático. Ainda no popular, o que não se usa tende a se deteriorar” Lima).
A ampliação do conhecimento do cérebro altera a compreensão da natureza humana, pois somos capazes de empreender alterações na forma e na atividade cerebral em sua relação com todos os sistemas de nosso corpo. A natureza humana não é uma massa imutável.
Assim, eu entendo que a maleabilidade descoberta não poderia ser utilizada para a ortopedia educacional. Isto é, usar o conhecimento para alimentar a educação baseada em capital humano. Seria um retrocesso. Não somos máquinas e a plasticidade não deveria ser uma ciência aplicada para treinar pessoas em seu desenvolvimento.
Referências
DOIDGE, Norman. O cérebro que se transforma [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Record. 2016.
DOIDGE, Norman. O cérebro que cura. Rio de Janeiro: Record. 2016.