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Os modos de subjetivação do trabalho e a saúde mental

A meta empresarial das corporações privadas é o lucro. Na busca de aumentar mais e mais o ganho, na atualidade há o mote de que o engajamento dos colaboradores distribuídos em times, aumentaria o desempenho individual. Essa linguagem ameniza a condição de funcionário e promove uma dinâmica participativa previamente definida nos altos escalões. Usam-se termos cunhados de coletivos sociais e até do esporte, mas engana-se quem pensa que há participação de todos; é uma empresa e cumpre sua pirâmide de poder, com exploração da força de trabalho, pelos que detêm o capital. Se essa forma de engajamento aumenta ou não os lucros é um problema do âmbito do empregador. 

Concordo, no entanto, com Byung-Chul, que “o excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma.” (2017: 71). Han chama de sociedade do cansaço esta em que estamos inseridos, que busca o desempenho máximo, a qualquer custo, como abrir mão de si e dos seus familiares e amigos, entregando-se ao trabalho antes de tudo o mais. 

Para se engajar, a corporação define metas a serem alcançadas e relações a serem travadas, a relação com o time, os happy hours regados a bebedeiras (fuga da angústia!). Juntam-se aos sinais de esgotamento, as noites de sono cada vez mais curtas e as preocupações contínuas com o trabalho que domina os pensamentos, entre outras invasões da alma, lembrando que psicologia quer dizer estudo da alma. 

Em A sociedade do cansaço, a pesquisa de Han se dá pelas relações de poder, a partir de Foucault e o termo cunhado por este, o “corpo dócil”, pilar na sociedade disciplinar, conforme a pesquisa de Foucault sobre a constituição da modernidade, desde os fins do século XVIII e início do XIX, na França e na Europa como um todo e extrapolando para as Américas. Mostra, Han, como a sociedade disciplinar ali instaurada, formou “o corpo dócil” (ver Foucault, nos livros Vigiar e punir e   Nascimento da biopolítica). Mesmo hoje, instaurada a sociedade de controle, ainda não deixamos esse corpo disciplinar, que se impõe na formação do sujeito.

O modo de expressão do sofrimento humano estaria, assim, relacionado ao processo de subjetivação social, por meio de uma microfísica de poder, através do psiquismo na formação do sujeito e da força de trabalho. O reconhecimento de si e dos outros, que se dá pelas regulações sociais, está diretamente ligado ao que se define como normalidade. 

Se as corporações se valem do corpo dócil, que se submete ao establishment – a ordem ideológica, econômica, política e legal que constitui uma sociedade ou um Estado – o trabalhador se vê enredado ao sistema e muitas adoece, uns mais outros menos, pois cada um é um ser único e a pressão não se exerce da mesma maneira sobre todos.

Posto isso, falemos de como a norma da Saúde ampara hoje o cidadão, a pessoa, o sujeito, o trabalhador, enfim.

Conforme o Ministério da Saúde (gov.br/saúde) “Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.  A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho.” Ainda, “o psiquiatra e o psicólogo são os profissionais de saúde indicados para identificar o problema e orientar a melhor forma do tratamento, conforme cada caso. 

A síndrome de burnout está na Classificação Internacional de Doenças, CID 11 QD-85, como o resultado de um meio ambiente do trabalho dotado de estresse crônico, que não foi gerenciado com sucesso.

Referências

Han, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 71.

Foucault, Michel (1975). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

Foucault, Michel (2004). Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-79). São Paulo: Martins Fontes, 2008.