Tem muita gente sofrendo no trabalho! Claro, isso não é novidade, pelo menos desde quando deixa de ter sentido para o trabalhador, tratado como engrenagem de uma máquina de produtividade. O filme Tempos modernos, de Chaplin, ainda é o retrato dessa realidade.
Os estudos e ensaios, as enquetes e pesquisas de opiniã0 atuais, compilam dados e promovem análises sobre a saúde mental no universo do trabalho. A pesquisa não tem poder por si só de modificar o campo do trabalho, mas apresenta indicativos promissores de que é possível reverter a deterioração da saúde mental promovida por sistemas de trabalho.
Um estudo com mais de quinhentos participantes, com recorte na “Região Sudeste (88%) e [que] ocupavam cargos variados, entre diretores, gerentes, coordenadores, analistas, especialistas etc.”, mostra resultados positivos das mudanças realizadas desde a pandemia. No entanto, uma parte dos participantes considera insuficientes essas iniciativas e “há divergências entre o que a empresa comunica e o que de fato é aplicado no cotidiano de trabalho”. E, por fim, que “o papel das lideranças é central na articulação de qualquer política de saúde mental.”¹
Os autores afirmam que os estudos empíricos são um caminho para mostrar que “cuidar da saúde mental dos funcionários é bom para os negócios”. Isto porque quase metade da amostra “acredita que as empresas pouco ou nada se preocupam com o bem-estar dos colaboradores”. E é significativa a quantidade que não se sente realizada no trabalho (23%).
O modelo hierárquico empresarial tem seu foco no aumento da produtividade muito mais que no bem-estar e realização dos trabalhadores. No entanto, ao se sentirem realizados e saudáveis, os trabalhadores aumentam a produtividade, como aparece em um outro artigo de análise de dados de pesquisas².
“Alguns estudos vêm apontando que o home office elevou os níveis de bem-estar e satisfação com a vida de seus adeptos na comparação com os trabalhadores que continuaram a trabalhar presencialmente, gerando também economia de tempo e dinheiro com deslocamentos e disseminando a possibilidade de se trabalhar de qualquer lugar”.
Claro que não se pode afirmar que o home office seria a solução, pois de qualquer maneira os problemas de saúde mental são uma realidade complexa, que não vai ser solucionada com uma única ação. Mas é interessante ver que a liberdade que o home office proporciona aumenta o bem-estar e a realização no trabalho e, consequentemente, a produtividade.
Na verdade, com a pandemia, a realidade do sofrimento no trabalho foi escancarada e desde então há movimento de empresas para alterar algumas práticas em benefício do bem-estar dos funcionários. Entre essas práticas, destaco as políticas empresariais de inclusão e diversidade, a disponibilidade de atendimento psicológico e o movimento nas dinâmicas das equipes, como um caminho promissor.
De outro lado, as exigências de mais e mais comprometimento e dedicação, por exemplo, têm levado muitos ao esgotamento profissional, a síndrome de burnout. Não fecha a conta, oferecer condições de melhoras da saúde mental junto com opressão por cobranças e falta de espaço para a vida pessoal, muitas vezes.
Na clínica, o sofrimento no trabalho e o burnout são uma realidade. E por meio da ampliação do autoconhecimento muitas vezes é possível reverter a situação, desde que mudanças sejam feitas nas dinâmicas corporativas. Mesmo em situações adversas, muitas pessoas se desenvolvem a partir do conhecimento de si mesmas, isto é, de um encontro entre o que a pessoa faz e como ela se sente. Há um empoderamento de si com a compreensão dos afetos que envolvem os comportamentos. Aos poucos, na psicoterapia, a gente se permite fazer as pazes consigo mesma e promover mudanças consistentes nas ações cotidianas.
Referências
1 Ferreira, P; Appel, T. C.; Hungerbuhler, I. Como as empresas cuidam da saúde mental de seus funcionários? In: https://periodicos.fgv.br/gvexecutivo/article/view/88543
2 Pacini, S. Tobler, R, Bittencourt, V. S. Tendências do home office no Brasil. In: https://portal.fgv.br/artigos/tendencias-home-office-brasil