A qualidade do sono e a saúde mental e física
É preciso dormir, comer e beber água. “Como o estado mais privado e vulnerável de todos, o sono depende crucialmente da sociedade para se sustentar.” (Crary, 2016). O sono, a água e o alimento são a sustentação da vida. Não dá para pensar a pessoa apartada do meio ambiente, do trabalho, da saúde, da educação, da cidade, do campo, da diversidade e do entorno mais próximo.
O sono, relegado a um acessório incômodo e necessário, está sendo reduzido em nome da produtividade. Aquela burrice do dominador, de extirpar as qualidades do trabalhador em nome do lucro. Parece-me uma herança escravagista, em que a destruição da mão de obra pela violência não importa, pois haveria sempre mais um para ser dominado. Destrói-se a natureza, pois tem muita mata e minerais e petróleo para ser explorado. Exploração é a palavra de ordem! A Terra é uma só e estamos em amplo declínio, é preciso mudar a lógica exploratória. Está certo, tenho de falar do sono, mas é difícil para mim olhar uma coisa em separado do todo.
24/7 anuncia um tempo sem tempo, um tempo sem demarcação material ou identificável, um tempo sem sequência nem recorrência. Implacavelmente redutor, celebra a alucinação da presença, de uma permanência inalterável composta de operações incessantes e automáticas. Pertence ao momento posterior à transformação da vida comum em objeto da técnica.
(Crary)
O autor fala da falência do sono, para impor um indivíduo alerta em 24 horas acordado em 7 dias da semana. O sono tem sido relegado a uma atividade secundária e assim vou tentar adentrar as necessidades humanas de sono, confirmadas pela publicação de mais de 17 mil artigos científicos. Apesar de a manutenção da saúde depender do sono, isto é negligenciado. Nas palavras do pesquisador Matthew (2018): “Quanto ao custo: zero. O medicamento é gratuito. Mas, com demasiada frequência, nos esquivamos do convite que recebemos a cada noite para tomar nossa dose completa desse remédio natural — o que gera consequências terríveis.” (Matthew, 2018)
Assim, vivemos em um tempo em que o direito ao sono é uma luta privada, pessoal. As instituições que dominam o trabalho e o complexo médico industrial não vão ceder tão cedo e me sinto nessa luta para pelo menos no micro universo da clínica psicológica, cada vez mais dar atenção ao sono. Inicialmente, é preciso se conscientizar que o sono é vital e que muitos de nossos desequilíbrios podem ser regulados pelo sono restaurador do cérebro e do corpo. É necessário saber que os medicamentos para dormir não ajudam na qualidade do sono e podem levar ao vício.
As consequências terríveis apresentadas pelo pesquisador são da gestão de si mesmo, do equilíbrio mental, do aprendizado e da memória. Dormir não é simplesmente desligar a máquina para recarregar a bateria. Não somos máquinas, é preciso sempre reafirmar. O sono não é um período de inatividade do cérebro, ao contrário, durante o sono muitas ações fundamentais para o equilíbrio do corpo e da mente são realizadas, como a organização da memória. Matthew explica que o sono de má qualidade “é um dos fatores mais subestimados que contribuem para enfermidades cognitivas e médicas em idosos, incluindo diabetes, depressão, dor crônica, derrame cerebral, doença cardiovascular e doença de Alzheimer.”
A cada noite, o sono passa por diferentes períodos e ações cerebrais associadas. De maneira simples, o sono profundo é um período de “processamento de informação”, “armazenamento e fortalecimento de novos fatos e habilidades”, enquanto o período de sonho funciona como integração da experiência passada, para a “construção de um modelo cada vez mais preciso de como o mundo funciona, incluindo descobertas inovadoras e habilidades de solução de problemas”. O cérebro fica ativo durante o sono e suas várias fases e que sem essa vivência, a memória e a saúde mental se deterioram.
Apesar do esforço em se afastar da natureza, o ser humano está submetido ao ciclo dia e noite (circadiano) e o sono profundo e os sonhos são elementos do aprendizado, da memória e da capacidade de entendimento de sua própria vida. O sono também ajuda a regular a saúde por meio dos sistemas cardiovascular, respiratório, imunitário. Sem qualidade no sono não há equilíbrio energético. Segundo as pesquisas sobre o sono, 8 horas de sono todas as noites (adultos, jovens, maduros e idosos) são necessárias e suficientes.
Referências
Crary, Jonathan. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono (Coleção Exit). São Paulo: Ubu Editora. Ebook. 2016
Walker, Matthew. Por que nós dormimos: a nova ciência do sono e do sonho. Rio de Janeiro: Intrínseca Editora. Ebook. 2018