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A sociedade oprime a criatividade?

Em minhas reflexões, eu me permito fluir. E, lendo um artigo científico sobre TDAH, encontro o seguinte:

Indo na contramão dos estigmas, estudos apontam que pessoas com TDAH são mais criativas. Isso porque a dispersão de pensamento, característica do transtorno, aumenta a suscetibilidade a novas ideias. 

Lembrando que noutro dia dei uma pincelada em estigma, falo agora de um aspecto da diagnose de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, TDAH, que me chamou a atenção no artigo citado acima. O resultado da pesquisa aponta que as pessoas com TDAH tendem a ser dispersas e criativas. Cabe a mim pensar que a criatividade está caminhando para se tornar um estigma!. 

Explico, se pensar que a criatividade é ligada à dispersão; se a fluidez, o fluxo, a desatenção ao racionalista cotidiano é necessária ao caminho de uma pessoa para sua realização e conhecimento de si mesma; e se a dispersão fosse intrínseca ao déficit de atenção; eu poderia entender a mente criativa como um defeito, um mal funcionamento a ser regulado por medicamentos e terapias comportamentais. 

Como a sociedade dominante não se dispõe ao ser criativo, mesmo com tantas pessoas a criar e nos encantar, não andar no fio da normalidade social, no mínimo, chama a atenção, coloca a pessoa em destaque. Corre-se o risco de receber o rótulo de déficit de atenção. 

Até a própria pessoa se dá rótulos da classificação de doenças, pois, ao sentir-se distraída, sem claros objetivos, pode pensar que não tem capacidade de aprendizagem etc., entra em uma situação opressiva. Ao mesmo que gostaria de ser criativa, reprime-se e esconde sua dispersão, p. ex. Muitas vezes é criticada, dizem que vive nas nuvens, não é responsável e coisas desse tipo. 

A educação formal tem modelos, no mais das vezes, disciplinadores e com pouca abertura ao pensamento e ao raciocínio. Desde a alfabetização, é controlado o corpo, dos movimentos ao uso da palavra. Não vou me estender, mas a classe de alfabetização é o ponto de corte entre se expressar com o corpo e contê-lo na carteira para tornar-se um aluno, aquele que não tem luz. Isto é tão fora de época, não faz sentido, mas é o que mais ocorre. A psiquiatria do desenvolvimento orienta os profissionais de educação básica, para o encaminhamento da criança para consulta psiquiátrica. O diagnóstico de TDAH pode ser o rótulo, junto com a receita tarja preta da “Droga da obediência” (Bandeira, 1984).

Alguns chegam à vida adulta ainda criativos e sem saber que essa é uma expressão própria. Mas outra pessoa pode reagir diferentemente, e ir em frente no seu desejo criativo; pode se tornar qualquer coisa que quiser; mas também pode não aguentar a pressão “pra ser como todo mundo” e adoecer mentalmente. 

A ausência de análise das subjetividades implicadas em tolher a criatividade sob um rótulo, o que quer dizer que ou muda ou fica dependente crônico de medicamentos. O diagnóstico está dado e o mal não tem cura, já sai do consultório avisado. Assim, não pode reclamar depois, pois não há garantia de nada. 

Referências

BANDEIRA, Pedro. A droga da obediência, ed. Moderna, 1984.

JERGENSEN, Laise. TDAH: quando a desatenção é diagnosticada na vida adulta, publicado em jornal do laboratório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, 2023.

LIMA, Ana Costa Lima, Saúde Mental e Estigma: Combatendo Preconceitos na Sociedade e no Trabalho, publicado no bloguinho, 2023.

LIMA, A.C.C. e CAPONI, S. A força-tarefa da psiquiatria do desenvolvimento (p.1315-1330). Physis Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v.21, n.4. 2011.

WILCOX, Kristin. The Link Between Creativity and ADHD, publicado em Psychology Today, 2022.