Entendendo a rigidez emocional
Pode parecer prático fazer tudo sempre igual, fazer compras sempre nos mesmos lugares, comer as mesmas coisas, enfim, ser uma pessoa metódica, que quando ultrapassa o razoável social, é chamado de sistemático na sabedoria popular. Há um limite tênue entre organização/método e rigidez.
A rigidez emocional é mais ou menos o contrário de flexibilidade mental. O sujeito rígido vai limitando o trabalho do cérebro, pois não é preciso pensar, é só seguir no automático. Ainda no popular, o que não se usa tende a se deteriorar.
Nesses casos, a construção de rotinas tem menos o sentido de organização do que a tentativa de não se deparar com qualquer surpresa, pois a situação inesperada gera ansiedade. Uma pessoa nessas condições recua diante da possibilidade de surpresas. Por vezes, recua diante de uma viagem, de um lugar novo, organiza a vida para não se deparar com o desconhecido, pois tem a memória da experiência de ansiedade e até pânico. Como não aceita mudanças, acomoda-se em rotinas, hábitos, poucos contatos etc., para que qualquer estranheza não desestabilize um frágil equilíbrio.
No mais das vezes, esse tipo de comportamento está relacionado a vivências muito antigas, das quais a gente não tem memória. A necessidade de ordenar demais as coisas foi um jeito que a nossa psique encontrou para estancar o sofrimento emocional. Na vida adulta, esse mecanismo deixa de ser uma forma de proteção e vira o nosso algoz, uma forma de limitar o nosso potencial.
Psicoterapia
Eu gosto muito da imagem da espiral para mostrar como se processa a psicoterapia, uma abertura para se empreender mudanças. A espiral sobe e em seguida desce até um pouco acima de onde estava antes; esta descida seria a desacomodação, a instabilidade, a incerteza que nos impulsiona ao novo, como a expressão da própria potência. Depois, a espiral sobe mais e desce e sobe, espiralando-se.
É necessário método para organizar o cotidiano, mas é preciso molejo para aceitar as instabilidades e alterações daquilo que está em ordem, pois a desordem é condição para empreender mudanças. É preciso desestabilizar para que outras formas de ser se constituam e nos lancem a novas experiências e conhecimentos, alegrias e satisfação.
Claro que uma mudança em complexos psicológicos não é só questão de querer. É preciso um impulso existencial, um propósito e a busca dos meios para empreender um processo espiralado (eu conheço psicoterapia, outros processos são viáveis, mas eu falo da psicoterapia). A relação criada no setting psicoterapêutico é um artifício para promover o despertar do eu mesma em minha consciência e em meu somático (essa separação não existe, sou um). É possível compreender e ressignificar vivências e sensações emaranhadas e optar por atravessá-las em busca de paz interior.
Certamente, muitas coisas estão implicadas e a resistência à psicoterapia é intrínseca ao processo.
Só para pensar rigidez em níveis
A rigidez pode tomar conta, ser protagonista no cotidiano, mas também podem se apresentar traços em aspectos da existência, mas que incomodam a pessoa; percebe-se rigidez no corpo e no emocional, recuando por medo do desconhecido.
Adiantando a conversa
A estagnação é insalubre, impede a realização de si mesma/o. A rigidez que em algum momento foi uma defesa emocional passa a ser o que impede a pessoa de se realizar em sua essência.
Essa é uma situação em que o processo psicoterápico é salutar, pode contribuir para a mudança dessa chave que repete e repete o mesmo comportamento. Não espere que seja da noite para o dia, não, desfazer o que levou anos para se aprimorar é simples e complexo. Leva tempo.
Afeta a muitos
O modelo social imposto pela máquina dominante incentiva a rigidez. Hoje, a mecanização do cotidiano é uma palavra de ordem; atende a ditames como fazer rotina para tudo, comportamento que mais se assemelha a uma máquina de fazer o cotidiano.
A rotina comprada pronta é como um simulacro de alimento ultraprocessado, produto com quase nada de nutrição e muitos componentes nocivos ao humano, mas que aparentemente satisfaz muitas pessoas.
O cotidiano definido por rotinas heterorreguladas torna-se mecanizado e contribui para diminuir a necessidade de pensar. Assim, a capacidade de solucionar problemas diminui e a pessoa não sabe encontrar a melhor maneira de realizar quaisquer coisas.
Aí, a solução mais usada na área de saúde é indicar a construção de mais uma rotina para usar a capacidade de pensamento e solução de problemas. A pessoa não faz nada a partir de seu raciocínio. Isso não é nada bom. Mas não vou adentrar o que se perde, aquilo que não se desenvolve. Este assunto fica para outra hora.
Viver de estímulo e recompensa é reducionista e resvala na submissão. A quê, afinal?
É possível permitir-se sentir, pensar, experimentar, enfim, encontrar solução para coisas concretas e para os sentimentos também.