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A memória da vida vivida

Eu diria que a memória é uma literatura de nossa existência. O que se recorda são fatos misturados com a emoção ligada ao acontecimento. Além disso, podem-se incorporar histórias contadas a até misturar outros fatos, com emoções similares.

A memória não é uma fotografia, um registro de um momento dado. A lembrança é carregada de afetos das vivências intensas, como traumas, mas também de vivências agradáveis ou não, mas que afeta o eu de alguma maneira. 

A memória contém experiências, fatos e emoções, e se apresenta involuntariamente ou por esforço para lembrar. Estão guardadas, mas não como um álbum de fotografias. Recordar não é reproduzir fatos, trata-se de trazer emoções à tona, que se apresentam como lembranças. Duas ou mais pessoas podem ter presenciado a mesma cena, no entanto, o que marcou cada uma é diferente, e isso tem a ver com aquilo que é carregado de afetos, de carga emocional.

Mauro Maldonato (2017), psiquiatra italiano, coloca que “o pensamento – sua verdade – não é independente de quem o pensa” (p. 20). O pensamento só existe se houver um corpo, lembrando que o conjunto forma o corpo; não dá para continuar esse entendimento de fragmentação entre as partes, o ser é um sistema integrado e complexo.  Assim, não há dissociação entre razão e emoção, corpo e mente, cérebro e corpo, tudo é corpo.

Muita gente entende que a História é uma reprodução de fatos reais. De certa maneira, os fatos acontecidos nunca mais podem ser reproduzidos integralmente da forma como ocorreram. A memória pessoal, o Documentário e a História lidam com acontecimentos pelo filtro do autor, o eu, o cineasta ou o historiador, todos fazem parte do que narram. Seria uma ilusão afirmar que eu posso lembrar exatamente o que aconteceu em tal momento de minha vida. Não existe essa lógica linear, não há pensamento sem emoção. É importante ressaltar que a emoção é a principal ferramenta da cognição, como afirma Suzana Herculano-Houzel, pesquisadora brasileira.

As memórias fazem parte do cuidado de si e da história de vida no contexto do meio em que se vive. Cultivar a lembrança do que me faz ser um indivíduo é trabalho infinito e mantém a integridade de meu ser. 

Por meio da vivência emocional da lembrança eu posso ressignificar a própria história e isso tem muito a ver com a terapia pela palavra, a psicoterapia.

Referência:

Maldonato, Mauro. Na hora da decisão: somos sujeitos conscientes ou máquinas biológicas. São Paulo: Edições SESC SP, 2017.

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