O campo da psicologia é permeado por “verdades” impostas que foram construídas e continuam sendo construídas, como modelos de bem-estar e rótulos diagnósticos. No entanto, existem diferentes discursos e abordagens no campo da psicologia que conduzem o clínico ou terapeuta por uma perspectiva e técnicas distintas.
Um dos meus mestres, através de seus livros, é Ronald Laing (1975), um antipsiquiatra escocês. Ele afirma que a química do corpo é uma resposta à interação social, psicológica, ambiental e comunicacional dos seres vivos, portanto, essa química é sensível a tudo o que acontece com a pessoa. Laing considera um equívoco classificar e diagnosticar pessoas e suas experiências, pois todos são seres-no-mundo.
Com essa forma de pensar, não é possível integrar apenas com palavras, como psicossocial, psicossomático, psicopatologias, se não enxergarmos o outro como uma pessoa igual a nós, um agente autônomo, capaz de fazer escolhas e trazendo consigo suas próprias experiências.
Desde a primeira leitura de “O eu dividido” (The Divided Self, 1960), fiquei marcada pelas palavras de Laing. Ele nos diz que na sociedade em que vivemos, supõe-se que quando duas pessoas saudáveis se encontram, cada uma reconhece a outra como a pessoa que o outro acredita ser. Porém, quando a credibilidade familiar ou social de uma pessoa é questionada, ela é punida por não compartilhar da verdade comum. Nesse caso, o profissional julga com base em suas próprias categorias, e aquele que está desesperado inevitavelmente falha. É difícil compreender o mundo de uma pessoa cujas experiências podem ser carentes de qualquer certeza existencial. Essa pessoa pode temer perder sua identidade, sentir um vazio profundo e estar paralisada pelo medo de perder a si mesma. Diante de um interrogatório e de uma postura desconfiada, é fácil para alguém nesse estado de fragilidade se sentir ameaçado (Laing, 1960/75).
Laing, Cooper, Roberto Freire, Carl Rogers, Rollo May, Félix Guattari, entre outros, consideram o espaço terapêutico como uma troca entre pessoas, em que o conhecimento e a postura ético-política fazem parte da pessoa que representa o clínico psi. O terapeuta, cuja forma grega “therapeutes” significa “servidor” ou “assistente”, segundo Laing, deveria ser especialista em prestar atenção e ter consciência da situação (Capra, 1990: 93). Dessa forma, “adoecer e curar-se são partes integrantes da auto-organização de um organismo”, em interação com o meio ambiente do qual faz parte (Capra, 1982: 320).
Não é possível separar uma pessoa de seu contexto cultural. Matrizes ou padrões que moldam a psique estão inevitavelmente relacionados à experiência social, ao contexto da comunicação, sem possibilidade de separar o pensamento e a emoção além do exercício intelectual. Portanto, as culturas, as condições socioeconômicas e as especificidades familiares, do sistema de saúde e da educação podem influenciar a configuração do pensamento, atitude e expressão emocional na comunicação humana.
Referências:
- CAPRA, Fritjov (1975). O Tao da Física. São Paulo, Cultrix. 1982.
- Filme O Tao da Física: https://pt.linkedin.com/pulse/o-ponto-de-muta%C3%A7%C3%A3o-filme-reflex%C3%B5es-sobre-pensamento-e-leo-tostes
- CAPRA, Fritjov. Sabedoria incomum. São Paulo: Cultrix. 13ª ed. 1990.
- LAING, Ronald (1960). O eu dividido, estudo existencial da sanidade e da loucura. Petrópolis: Vozes. 2ª ed. 1975.
- LIMA. Ana C. C. Normalidade e controle, discursos na psiquiatria e na psicanálise. Curitiba: Appri., 2015.