Autoconhecimento e verdade de si mesmo
Antes desta pergunta, creio que vêm outras, por exemplo: eu não me conheço, como assim?
O campo das subjetividades humanas é intrincado e querer saber de si é uma busca desde criança e na filosofia, no clássico questionamento: quem sou eu? Penso que não existe esta resposta, em sentido objetivo. A resposta não tem um único percurso nem modelos assertivos. Não existe o caminho único da verdade de si. A formação do sujeito se dá em um meio ambiente e é conduzida por adultos e suas idiossincrasias. É um serzinho que se desenvolve com componentes familiares e sociais e seu inconsciente imaturo e intenso, por ser a primeira expressão, antes de se entender como um EU. O desenvolvimento humano é abordado em várias ciências e com diferentes pontos de vista.
A formação de subjetividades que o ser-em-relação apreende, junto ao conhecimento do mundo ao seu redor, passam a compor a possibilidade de autorregulação ao longo do desenvolvimento e formação de um sujeito, que se torna adulto, inevitavelmente. Mas também são substrato para as pedagogias dominantes, que trazem os modos corretos, as maneiras adequadas, o propósito como o início de um caminho, que antes de tudo constrói objetivos e metas a alcançar.
A partir deste intróito, queria sugerir o áudio da CBN, como uma introdução para heterregulação. Como está em voga, é dado o caminho para obter autoconhecimento e, consequentemente, alcançar o sucesso e o bem-viver.
É preciso se adaptar ao meio para se realizar, é a ideia majoritária, mas esse autoconhecimento regulado por valores externos, em um eu ainda imaturo de si mesmo, pouco consciente de como sou eu mesmo, torna o processo heterorregulado. Claro, a busca da verdade de si não tem fim e muitas vezes, mesmo nesta estrada há anos, o sujeito sente-se imaturo.
Encontrar um meio termo, onde o eu possa desabrochar em consciência e assim optar por este ou aquele caminho, é uma opção para quem procura psicoterapia (de modo algum acho que este é o único caminho). Não dá para prometer, mas investir na busca de si mesmo, para alguns, é a possibilidade de alcançar algo mais prazeroso e apaziguador que a conquista de sucesso pelo sucesso.
O conhecimento de si mesmo não pode ser adquirido como um produto, pela sua natureza imaterial, além disso não existe uma fórmula pronta. Afinal, será que o que eu penso sobre mim e aquilo que o outro vê e pensa sobre mim é o mesmo? Será que o penso sobre mim é congruente com o que sinto em diversas situações de vida?
Não há um modelo num campo complexo de conhecimentos e relações humanas há milênios, no Oriente e no Ocidente. O conhecimento de si não é uma performance que se almeja, dada a priori, e para alcançá-la a pessoa cumpre metas e treinamentos.
A verdade de si mesmo não se encontra por pela construção de uma determinada performance na relação com o trabalho, no caso. No entanto, temos de levar em conta, que autoconhecimento é a bola da vez no desenvolvimento da carreira. A construção de modos de comportamento é um conhecimento e prática no qual o mundo corporativo investe há décadas. Este é um caminho que valoriza treinamentos do corpo e do pensamento por meio de um modelo de autoconhecimento, ou seja, uma verdade e uma subjetividade vindas de fora. Assim, posso chamar de heterorregulação a busca de um propósito, treinar o corpo e a mente, traçar objetivos e alcançar metas.
A esta altura, talvez você pense que eu não acho que isto tenha importância. Claro que tem, mas como posso planejar minha vida com uma construção que me coloca um caminho, pois o propósito não é tão pessoal assim! Trocando em miúdos, o sucesso profissional tem como valores maiores o dinheiro, o cargo, a ambição, pois este é o mote da economia capitalista, que domina a sociedade em que vivemos. Devemos desejar crescer sempre, produzir cada vez mais, fazer mais dinheiro, preencher talvez um vazio de existência com coisas materiais. Mas isto não é a natureza do ser humano, pensando que não existem universais de comportamento humano. Ao se inserir em um meio de competição com o outro e consigo próprio para obter progresso de uma performance de desenvolvimento pessoal, por vezes, dificulta a compreensão de si mesmo. Esta é uma busca na maioria das vezes, não pelo conhecimento de si, mas por subjetividades que se apropriam de nossos desejos e ambições.
A psicoterapia, em um contexto psicodinâmico, no meu entender tem outro método, não parte de rótulos diagnósticos e pedagogias de comportamento. A proposta de psicoterapia é um passo, uma decisão de encarar de peito aberto o setting psicoterápico, a terapia pela palavra, a escuta profissional, em que o sujeito da clínica poderá ultrapassar alguns sofrimentos e abrir novas possibilidades de regulação de sua própria existência e de relação com o outro.
A psicoterapia é um lugar de encontro com um outro – estranho, desconhecido – que se propõe (profissional formado para tal) a ouvir o sujeito que busca a clínica psi. Entre as complexidades humanas, o encontro com o outro, a escuta de outro que não eu, de eu comigo mesmo pela palavra falada ao outro, colocam o sujeito diante de si, de sua verdade, de seus sentimentos, de suas incoerências. O sujeito encontra-se mais perto de si mesmo, de seu eu verdadeiro. A relação artificial proposta no setting terapêutico, possibilita a escuta pelo outro para eu mesmo sentir-me EU.